O som das Caixeiras em São Paulo

Apresentação das Caixeiras da Família Menezes.

A Associação Cultural Cachuera, localizada em uma casa no bairro de Perdizes em São Paulo, foi palco por mais de 20 dias da festa mais tradicional de São Luís do Maranhão, a Festa do Divino Espírito Santo. O lugar não muito espaçoso, mas bem estruturado e organizado estava todo enfeitado para a festa, com bandeiras no teto e altares para o culto ao Espírito Santo.

Na conclusão da 12ª edição da festa na associação, ocorreu o lançamento do 2º cd das Caixeiras da Família Menezes. Caixeiras são as mulheres que são responsáveis por conduzir os rituais desta manifestação do catolicismo popular. Presentes em todas as etapas dos festejos, elas cantam e tocam caixa (tambor) para homenagear o Divino.

As Caixeiras da Família Menezes (Dindinha, Zezé, Graça e Bartira) são as organizadoras da festa no Espaço Cachuera e cantando e tocando as caixas trouxeram o significado e a devoção desse culto para elas e para os que também adoram o Divino Espírito Santo.

Zezé e Graça.

Estive presente apenas no dia do lançamento do cd. Depois de uma breve apresentação sobre o grupo, todos se levantaram e bateram palmas para receber as Caixeiras. Elas estavam no fundo, passaram pelo meio da plateia e a caminhada até o microfone já foi acompanhada pela primeira música. Apesar de estar muito distante de onde ocorrem essas tradicionais cerimônias, e nunca estar presente em uma, ao vê-las passar no meio das pessoas, eu me senti no meio de uma procissão.

Quando elas chegaram até o palco e começaram a tocar as caixas foi como se todo um exército se preparasse para uma batalha. Eram apenas quatro tambores, mas que produzem um som forte, ecoando por todo o ambiente. Aquelas mulheres, vestidas com camisa branca, saia rodada e colorida até os pés, transmitiram toda a fé que sentiam cantando suas orações.

Bartira, Caixeira da Família Menezes

Foram cantados cânticos tradicionais, que fazem parte de diversos momentos do ritual ao Divino. Nas músicas também eram incorporados versos improvisados. Apesar de simples, é preciso conhecer muito as músicas para saber tocá-las. São dezenas de toques e melodias para diversos momentos do culto.

No dia do lançamento, sábado, dia 28 de maio, as Caixeiras estavam cansadas pelos dias de muito trabalho que antecederam, para tudo dar certo durante a festa, e ainda estavam um pouco gripadas. Mas, isso ainda serviu de descontração durante o show, não atrapalhando nas cantorias e nas emoções da apresentação.

Fotos: Adriano Rangel

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Show de Teresa Cristina no Sesc Santana

Teresa Cristina canta no teatro do Sesc Santana. Foto: Adriano Rangel

No ultimo dia do feriado prolongado em abril, senti que todas as datas comemoradas naqueles dias se encontravam no palco do Sesc Santana. Depois da quinta de Tiradentes, sexta da Paixão e descobrimento do Brasil e domingo de páscoa, Teresa Cristina apresentou rezas do povo brasileiro.

O lugar foi inadequado para essa apresentação, sem espaço para sambar (o show foi em um teatro), a platéia teve que controlar as emoções que fazem os corpos se mexerem quase que sozinhos ao som do batuque. Mas também, a voz da cantora e o som dos instrumentos, muito bem tocados e ensaiados, eram como um convite para destinar toda a atenção à audição para apurar bem cada tom, cada letra cantada.

 O repertório foi composto pelas músicas do novo trabalho, chamado “Melhor Assim”. Nele, há composições de Teresa e também de artistas consagrados, como Vinícius de Moraes, Chico Buarque e Paulinho da Viola.

Ao ouvir esse som brasileiríssimo, o nosso próprio coração se envolve com o ritmo e passa a bater acompanhando a percussão. Uma música apresentada no show (esta não está no cd) que conta essa história é a Samba de Benção, de Vinícius:

Ponha um pouco de amor numa cadência
E vai ver que ninguém no mundo vence
A beleza que tem um samba não
Porque o samba nasceu lá na Bahia
E se hoje ele é branco na poesia
Ele é negro demais no coração

Além de todo o envolvimento com o samba, as letras empregadas nele também contam nossas histórias e crenças, apresentando a esperança que pulsa em nosso peito. A exemplo da música Morada Divina, composição de Arlindo Cruz e Teresa Cristina:

De todas as pedras do mundo
Que eu possa contornar
Que das sete quedas da vida
Eu saiba levantar
Senhora da Mina que manda na cachoeira
Peça ao Senhor da Pedreira
Que olhe sempre por mim
Me traga a paz verdadeira
E felicidade sem fim.

Depois de profundas duas horas, mergulhada em boa música, o domingo escureceu, é preciso ir pra casa porque depois de domingo vem segunda-feira.

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Por onde toca a viola?

Dizem que o violeiro passa mais tempo afinando a viola do que tocando, e para que ela não desafine rápido não pode deixá-la parada. Então, como ouvir uma música caipira em São Paulo é algo muito difícil, os violeiros da capital passam um bom tempo se dedicando à afinação do instrumento. Isso porque uma das características da cidade é a diversidade cultural, inclusive formada por milhares de pessoas que são do interior. Não por acaso Darcy Ribeiro escreveu em O povo brasileiro que a capital paulista é uma destruidora de caipiras.

Apesar das diversas casas de shows que existem na cidade, nelas não se ouve uma moda de viola. Mesmo quando a decoração de um lugar lembra o interior, o que se ouve é um sertanejo romântico, que foi transformado pela indústria fonográfica e mais se assemelha com o pop, e a única característica que sobrou da música raiz é a voz cantada em dueto.

O sumiço da música raiz nos palcos e nas emissoras de rádio não é percebido pela maioria das pessoas, isso porque a sociedade não conhece mais o som que se formou mestiço como ela. A riqueza da música caipira vai além do campo, ela carrega em si a cultura musical de todos os brasileiros.

A viola chegou ao Brasil com os portugueses e foi utilizada pelos jesuítas na catequização dos índios. Quando perceberam que a música era um elemento importante nos rituais indígenas, começaram a tocar na viola alguns ritmos indígenas, como o cururu e o cateretê, acompanhados por textos bíblicos para cumprirem suas missões. Posteriormente, também foram inseridos na viola ritmos africanos, como a congada e o batuque; ritmos que permanecem até hoje. Com a formação da música caipira que trouxe modificações, como nas formas de se afinar e se tocar, a viola se transformou num instrumento típico brasileiro.

Mesmo com esse título de reconhecimento, a música caipira não aparece nos roteiros habituais da capital paulista. Em São Paulo, para se ouvir a verdadeira música caipira, é preciso conhecer algumas duplas ou grupos para entrar em contato e saber quando e onde irão tocar. Normalmente, esses artistas têm uma relação com a vida no campo, por isso gostam e se preocupam com a conservação dessa música.

Essa vontade de buscar suas raízes faz com que a música caipira resista na cidade grande. E os cantores, que também são resistentes, precisam lidar com a falta de espaços para a apresentação, o público pequeno e a falta de apoio das gravadoras e das grandes mídias.

Para continuar tocando, muitas vezes os lares dos violeiros se tornam ranchos para receber a platéia. Um exemplo disso, próximo ao metrô Santana, na zona norte da capital, mora o casal Sérgio e Fabíola, integrantes do grupo Violeiros Matutos. Indo até o quintal da casa deles, a impressão é de estar há muitos quilômetros da capital paulista. Há um fogão a lenha, uma mesa comprida de madeira, muitos bancos e outros utensílios do interior.

A cada dois meses, o grupo promove encontros para cantar algumas modas e, ainda, serve um almoço com todo o sabor do interior. Durante essas reuniões, quando a viola começa a tocar para as pessoas que foram em busca dela para matar a saudade, compreende-se porque a afinação mais popular desse instrumento chama-se cebolão. Esse nome foi dado quando se percebeu que as mulheres choravam como se estivessem descascando uma cebola ao ouvirem uma viola.

Esse também é um dos motivos desse instrumento não ser esquecido e sempre ser procurado por quem o conhece. O som dócil e ao mesmo tempo forte, composto por dez cordas de aço, propaga e preenche o ambiente onde a viola está sendo tocada, assim, ela não se deixa ser esquecida.

O lamento próprio que o instrumento tem já foi tema de muitas composições. Tião Carreiro, um dos artistas mais consagrados do gênero, compôs “Chora Viola”, destacando a presença da viola em diversos momentos da vida de um homem, inclusive os mais difíceis, fazendo um papel de companheira. Apesar do nome e do tema, a música não tem um ritmo lento, é um pagode de viola, o toque rápido nas cordas dá uma agilidade na música.

Os diversos estilos de tocar a viola dão à música caipira uma flexibilidade que não a deixa estática em algum tempo, lugar ou modo, ao contrário do que a maioria pode achar. Ela se arranja de composições simples às mais sofisticadas, deixando sempre uma beleza na música.

Há muito tempo, os artistas usam variados estilos em suas composições. As músicas da tradicional dupla Tonico e Tinoco vão do ritmo cururu, marcado pela batida de pé, ao ritmo guarânia, que tem um andamento mais lento.

Com todas essas possibilidades, é possível aplicar na música caipira novos arranjos e técnicas, dando um refinamento diferente sem abandonar a raiz. Diversos grupos de São Paulo resgatam as músicas tradicionais e inserem outros elementos nos arranjos. Nessas composições são utilizadas até três violas e mais a percussão.

Essas mudanças ajudam a atrair um público mais jovem, que apesar de não ter tido uma relação tão forte com a música caipira como os pais, conhecem e estão inseridos nesse mundo. Além das modificações na técnica, as letras também trazem temas diferentes, não ligadas apenas à vida no campo, que está tão distante, mas retratando coisas do cotidiano, como a cidade grande.

Inclusive, diversas são as composições que homenageiam a capital paulista, contando, suas características, seu desenvolvimento e sua correria, que impressiona o caipira. A música “São Paulo da Garoa”, de Tonico e Tinoco, fala do tradicional chuvisco em ritmo chamado de sambinha caipira, se aproximando ainda mais do ambiente que é cantado.

Essas músicas e a experiência de ouvir uma moda de viola em São Paulo mostram como a música caipira combina com a capital, que, assim como ela, alegra, recorda e enaltece as raízes culturais.

Chora Viola – Tião Carreiro e Pardinho

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Forró da Ilha

Em uma vila conhecida pelo seu sossego, distante há mais de uma hora da costa, cantorias e danças animavam muitas madrugadas de sábado.

Nesse dia da semana, os moradores da Vila do Abraão, na Ilha Grande, em Angra dos Reis, deixavam os afazerem de lado e encontravam-se para se divertir dançando um forró. Os sons da sanfona, do triângulo e do batuque são os que mais contagiam os moradores, sendo o estilo musical mais apreciado.

O forró da Ilha representava (e ainda representa) muito para o local, além de ser a única agitação da vila, também fez parte de muitas histórias de amor. Quando se fala na noites de sábado, logo se ouve uma história. “Lembro como se fosse hoje. Ouvi a Marli dizer: Estou há dois meses vindo aqui e até hoje nenhum cavalheiro me tirou para dançar. Então eu disse: não seja por isso. Dançamos a noite toda”, conta João Correia. Depois daí, o baile rendeu 18 anos de casados.

As noites de forró eram embaladas por som de CDs de artistas conhecidos no ramo, e também para grupos locais, que encontravam ali um espaço para tocar e cantar.

O tradicional baile rendeu até dois Festivais Nacionais de Forró da Ilha Grande. Nas duas edições, o público apareceu em peso. Apresentaram-se grupos locais e também artistas consagrados, como Elba Ramalho.

Apesar de sua ótima fama, o forró não acontece mais. As noites de sábado agora acabam cedo. A opção que se tem é ir a um dos incontáveis restaurantes ou bares da Ilha, comer alguma coisa, conversar com os amigos e voltar para casa. Mesmo sendo muito charmosos, com preços variados, os restaurantes guardam a calmaria da vila e não atraem os moradores.

O Forró da Ilha foi fechado depois que dois estrangeiros compraram os terrenos adjacentes de onde aconteciam os bailes. Então, eles construíram pousadas e começaram a reclamar do barulho das músicas. Mesmo com a participação de alguns hóspedes das pousadas no forró, as queixas à prefeitura e outros órgãos públicos aconteceram até que as portas do forró se fecharam, impedindo, assim, a manifestação e vivência da cultura local.

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Manhãs de domingo

Enquanto ainda tomo o meu café da manhã, sem a pressa dos dias da semana, começo a sentir saudade de um lugar mais tranqüilo e de uma vida mais próxima da natureza. Essa vontade não é despertada por ser domingo, assim, querendo que todos os dias sejam calmos como esse, mas pelas músicas que são cantadas todos os domingos de manhã.

Às 9 horas, começa o som da viola acompanhado por melodias carregadas de histórias que nos fazem voltar no tempo. Um período que eu não vivi muito, mais na infância quando ia passar as férias no interior, mas que está no meu coração, porque ouvi muito meus pais e avós contarem suas experiências de vida.

Essas experiências são contadas no programa Viola Minha Viola, apresentado na TV Cultura todos os domingos. Há 30 anos de transmissão ininterrupta, o programa, apresentado pela cantora e folclorista Inezita Barroso, é uma memória da vida do caipira.

No auditório, entre uma cantoria e outra, é sempre hora de reviver os “bailes”, assim, o público sempre vai dançar mais perto do palco. A platéia, muito animada, canta junto com os artistas, prestigiando-os. Assim como estão presentes os cantores tradicionais da música caipira, como as Irmãs Galvão, a Dupla Cacique e Pagé, também há espaço para os novos talentos.

Assim como o Viola minha viola é tradicional na televisão, ele também é na minha casa. O som da viola desperta minhas recordações das longas conversas com minha avó, que me conta desde suas brincadeiras na infância até a criação dos oito filhos. São histórias exemplares de superação e sabedoria.

Assim, alegrando, recordando e enaltecendo nossas raízes, nenhum programa passa sem o famoso elogio: “bonito!”.

Serviço:

Programa Viola minha viola

Onde: TV Cultura

Quando: domingos às 9h e as sábados às 21h30

www.tvcultura.com.br/violaminhaviola

*Trecho da música Brincadeiros do Sertão, dos Violeiros Matutos.

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