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Por onde toca a viola?

Dizem que o violeiro passa mais tempo afinando a viola do que tocando, e para que ela não desafine rápido não pode deixá-la parada. Então, como ouvir uma música caipira em São Paulo é algo muito difícil, os violeiros da capital passam um bom tempo se dedicando à afinação do instrumento. Isso porque uma das características da cidade é a diversidade cultural, inclusive formada por milhares de pessoas que são do interior. Não por acaso Darcy Ribeiro escreveu em O povo brasileiro que a capital paulista é uma destruidora de caipiras.

Apesar das diversas casas de shows que existem na cidade, nelas não se ouve uma moda de viola. Mesmo quando a decoração de um lugar lembra o interior, o que se ouve é um sertanejo romântico, que foi transformado pela indústria fonográfica e mais se assemelha com o pop, e a única característica que sobrou da música raiz é a voz cantada em dueto.

O sumiço da música raiz nos palcos e nas emissoras de rádio não é percebido pela maioria das pessoas, isso porque a sociedade não conhece mais o som que se formou mestiço como ela. A riqueza da música caipira vai além do campo, ela carrega em si a cultura musical de todos os brasileiros.

A viola chegou ao Brasil com os portugueses e foi utilizada pelos jesuítas na catequização dos índios. Quando perceberam que a música era um elemento importante nos rituais indígenas, começaram a tocar na viola alguns ritmos indígenas, como o cururu e o cateretê, acompanhados por textos bíblicos para cumprirem suas missões. Posteriormente, também foram inseridos na viola ritmos africanos, como a congada e o batuque; ritmos que permanecem até hoje. Com a formação da música caipira que trouxe modificações, como nas formas de se afinar e se tocar, a viola se transformou num instrumento típico brasileiro.

Mesmo com esse título de reconhecimento, a música caipira não aparece nos roteiros habituais da capital paulista. Em São Paulo, para se ouvir a verdadeira música caipira, é preciso conhecer algumas duplas ou grupos para entrar em contato e saber quando e onde irão tocar. Normalmente, esses artistas têm uma relação com a vida no campo, por isso gostam e se preocupam com a conservação dessa música.

Essa vontade de buscar suas raízes faz com que a música caipira resista na cidade grande. E os cantores, que também são resistentes, precisam lidar com a falta de espaços para a apresentação, o público pequeno e a falta de apoio das gravadoras e das grandes mídias.

Para continuar tocando, muitas vezes os lares dos violeiros se tornam ranchos para receber a platéia. Um exemplo disso, próximo ao metrô Santana, na zona norte da capital, mora o casal Sérgio e Fabíola, integrantes do grupo Violeiros Matutos. Indo até o quintal da casa deles, a impressão é de estar há muitos quilômetros da capital paulista. Há um fogão a lenha, uma mesa comprida de madeira, muitos bancos e outros utensílios do interior.

A cada dois meses, o grupo promove encontros para cantar algumas modas e, ainda, serve um almoço com todo o sabor do interior. Durante essas reuniões, quando a viola começa a tocar para as pessoas que foram em busca dela para matar a saudade, compreende-se porque a afinação mais popular desse instrumento chama-se cebolão. Esse nome foi dado quando se percebeu que as mulheres choravam como se estivessem descascando uma cebola ao ouvirem uma viola.

Esse também é um dos motivos desse instrumento não ser esquecido e sempre ser procurado por quem o conhece. O som dócil e ao mesmo tempo forte, composto por dez cordas de aço, propaga e preenche o ambiente onde a viola está sendo tocada, assim, ela não se deixa ser esquecida.

O lamento próprio que o instrumento tem já foi tema de muitas composições. Tião Carreiro, um dos artistas mais consagrados do gênero, compôs “Chora Viola”, destacando a presença da viola em diversos momentos da vida de um homem, inclusive os mais difíceis, fazendo um papel de companheira. Apesar do nome e do tema, a música não tem um ritmo lento, é um pagode de viola, o toque rápido nas cordas dá uma agilidade na música.

Os diversos estilos de tocar a viola dão à música caipira uma flexibilidade que não a deixa estática em algum tempo, lugar ou modo, ao contrário do que a maioria pode achar. Ela se arranja de composições simples às mais sofisticadas, deixando sempre uma beleza na música.

Há muito tempo, os artistas usam variados estilos em suas composições. As músicas da tradicional dupla Tonico e Tinoco vão do ritmo cururu, marcado pela batida de pé, ao ritmo guarânia, que tem um andamento mais lento.

Com todas essas possibilidades, é possível aplicar na música caipira novos arranjos e técnicas, dando um refinamento diferente sem abandonar a raiz. Diversos grupos de São Paulo resgatam as músicas tradicionais e inserem outros elementos nos arranjos. Nessas composições são utilizadas até três violas e mais a percussão.

Essas mudanças ajudam a atrair um público mais jovem, que apesar de não ter tido uma relação tão forte com a música caipira como os pais, conhecem e estão inseridos nesse mundo. Além das modificações na técnica, as letras também trazem temas diferentes, não ligadas apenas à vida no campo, que está tão distante, mas retratando coisas do cotidiano, como a cidade grande.

Inclusive, diversas são as composições que homenageiam a capital paulista, contando, suas características, seu desenvolvimento e sua correria, que impressiona o caipira. A música “São Paulo da Garoa”, de Tonico e Tinoco, fala do tradicional chuvisco em ritmo chamado de sambinha caipira, se aproximando ainda mais do ambiente que é cantado.

Essas músicas e a experiência de ouvir uma moda de viola em São Paulo mostram como a música caipira combina com a capital, que, assim como ela, alegra, recorda e enaltece as raízes culturais.

Chora Viola – Tião Carreiro e Pardinho

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